Malas pesadas vinham de todos os lados no Terminal Rodoviário do Tietê, na zona norte de São Paulo, na terça-feira, quando muitos já voltavam do feriado de carnaval. Algumas pessoas carregavam várias. "Mas ninguém ajuda", reclama a advogada Thaíse Andia, de 31 anos, três malas, que voltava de Santa Bárbara d"Oeste, no interior.
"Em cinco anos, viajando a cada 15 dias, conto nos dedos de uma mão as vezes em que alguém ofereceu auxílio." Thaíse não é a única a se incomodar com a falta de gentileza do paulistano.
Segundo o livro Pessoas Gentis São Mais Felizes (Editora BestSeller), do professor italiano P.M. Forni, lançado na sexta-feira, a cordialidade cria bem-estar, derruba a ansiedade, o estresse e a tristeza, além de aumentar a produtividade e nos tornar atraentes. Praticamente um elixir. Quem é menos gentil do que deveria acaba privado desses efeitos positivos.
"Nas metrópoles, viver no anonimato e o elevado estresse são responsáveis pelas atitudes grosseiras", disse Forni, professor e fundador da Civility Initiative, da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos.
A psicóloga Claudia Stella, professora de Psicologia e Sociedade da Universidade Mackenzie e da pós-graduação em Educação da PUC, concorda com Forni.
"Há 20 anos, a queixa principal no consultório era a dificuldade de relações. Agora, é a impessoalidade das relações. Tem me assustado a fala do "eu sozinho"."
Na rodoviária, entre sete pessoas que a reportagem abordou em dez minutos, todas negaram uma palavra - e quatro não foram nada gentis. Considerando que a viagem poderia ter sido cansativa, a idéia foi seguir para a Avenida Paulista, na região central. Foi ainda pior.
No ponto de ônibus, duas moças usavam os assentos para elas e suas sacolas, deixando uma senhora em pé. Na entrada da Estação Consolação do metrô, um casal diminui o passo para dar um beijo. Três pessoas que vinham atrás fizeram cara de poucos amigos ao desviar. Um deu até um esbarrão. Os pedestres invadem a via na esquina com a Rua Augusta, mesmo com o semáforo fechado para eles, e os carros freiam em cima. Quase que por vingança, os veículos avançam em quem ainda atravessa a faixa assim que o sinal abre. E ninguém pode demorar um segundo a mais parado no lugar que as buzinas gritam.
Sociedade bruta. Para a filósofa Olgária Mattos, coordenadora do curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há um embrutecimento dos costumes.
"A grosseria é tanta que as pessoas nem percebem." Olgária explica que a palavra gentil vem do latin gentilis, que significa clã, pessoas que convivem juntas.
Em 2008, uma publicação americana divulgou um ranking de gentileza com 35 cidades do mundo. São Paulo ficou em quarto lugar. A psicóloga Sâmia Simurro, da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), representante no Brasil da World Kindness Moviment (Movimento Mundial da Gentileza), não concorda com a classificação. "O estudo foi superficial, baseado no número de pessoas que recolhiam uma caneta que alguém deixava cair."
Cordialidade vai além. É respeitar o espaço do outro, ser tolerante, agradecer, ajudar, fazer um elogio, sem contar o uso de palavras como
"bom dia" e "por favor".
Todos os entrevistados disseram que a violência também atrapalha a gentileza.
Nunca se sabe quem oferece ajuda. Mas, como lembra Sâmia, não basta culpar a desconfiança.
Nunca se sabe quem oferece ajuda. Mas, como lembra Sâmia, não basta culpar a desconfiança.
"Praticar a gentileza nas relações diárias, como as familiares e profissionais, cria uma integração que vai crescendo até se tornar um hábito."
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